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  O tempo e o modo
      Ernesto Campos

  Grata lembrança de Alçada Baptista
     Li praticamente todos os livros de António Alçada Baptista, falecido há dias com 81 anos de idade. O seu testemunho criou marcas na minha juventude, em finais dos anos 50, nos 60 e posteriores. Destacaria os seus dois livros da “Peregrinação Interior”, o primeiro de 1971 e o segundo de 1982, mais as suas memórias de que era especialista, não escondendo os seus afectos.
O meu apreço também vem das suas iniciativas como editor. Admirador de Emmanuel Mounier e da sua revista “Esprit”, Alçada Baptista abriu uma editora, a Livraria Moraes, com a colaboração de Pedro Tamen, João Bernard da Costa, Nuno de Bragança, José Domingos de Morais e Alberto Vaz da Silva. Já os conhecia do jornal “Encontro”, da Juventude Universitária Católica.
Que saudades do “Círculo do Humanismo Cristão”, cuja colecção guardo na minha biblioteca e releio, com nomes consagrados na reflexão cristã, entre outros, Chesterton, Simone Weil, Yves Montcheuil, Pascal, Emmanuel Mounier, Yves Congar e Charles de Foucauld!
Que saudades dos poetas divulgados no “Círculo de Poesia”: Vitorino Nemésio, Jorge de Sena, Pedro Tamen, Herberto Hélder, António Ramos Rosa, Sophia de Mello Breyner, Cristovam Pavia, Ruy Belo e Alexandre O’Neil! É fácil matar tanta saudade, relendo-os.
Que saudades da colecção “O Tempo e o Modo” com as ideias vigorosas de Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Teilhard de Chardin, Manuel Antunes e Miller Guerra!
Que saudades das luminosas encíclicas “Mater et Magistra” e “Pacem in Terris” do bom Papa João e do “Pensamento da Igreja” que divulgou documentação conciliar do Vaticano II! Cito de cor autores de talento: Helder Câmara, L. Bauduin, P. Huizing, Joseph Ratzinger, K. Rahner e J. H. Schmidt! E mais alguns nomes sonantes: González Ruiz, J. B. Metz, Hans Urs von Balthasar, Bernhard Häring, Max Thurian, René Voilhaume, Romano Guardini, J. L. Lebret e M. D. Chenu!
E ainda houve a “História de hoje” e “Convergências”, a ensaiar o diálogo entre a ciência e a fé!
Lembram-se de tantos mestres do pensamento?
Não se pense, porém, que a Livraria Moraes foi um êxito editorial. As suas questões interessaram a poucos. Vivia-se no Portugal amordaçado um notório défice cultural. O mesmo aconteceu com “O Tempo e o Modo”, que criaria, a partir de 1963, como “revista de pensamento e acção”, frémitos no regime salazarista. Escreviam nela crentes e não crentes. A polícia política acusava-a de ser publicação de “católicos progressistas”. O regime já decadente era muito sensível às dissidências e nunca pensaria que também poderiam vir de católicos. O que, afinal, até era felizmente normal. Dá pena a deriva do final da revista para a extrema-esquerda maoísta.
As iniciativas de Alçada Baptista foram uma lufada de ar fresco. As décadas de 60 e de 70 foram exaltantes para quem, ainda jovem, sonhava com a renovação. 

*conegoruiosorio@diocese-porto.pt



  A Noite de Natal
      S.D.L.