Alexandrino Brochado
D. Domingos de Pinho Brandão, Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, faleceu no dia 22 de Agosto de 1988. Ao comemorar a data (cumprem-se nesse dia 15 anos) do seu encontro com o Senhor o meu coração exigiu que, mais uma vez, expressasse a fraternal amizade e profunda admiração que nutria por este grande amigo, cuja fotografia está na minha mesa de trabalho como presença permanente e inolvidável.
Entrámos no velho Colégio da Formiga no mesmo dia. Parece que estou a vê-lo, muito tímido, com seu fatinho domingueiro de cor verde-garrafa. Foi no ano longínquo de 1932. Depois foi uma ascensão permanente, primeiro como aluno do Seminário e da Universidade Gregoriana, em Roma, depois domo Professor do Seminário Maior, da Universidade do Porto e de vários outros estabelecimentos de ensino. Após a sua saída do cargo de Reitor do Seminário da Sé, sem que nada, aparentemente, o fizesse prever, D. Domingos é nomeado Bispo Auxiliar de Leiria. Estava na pujança da vida, com uma produção literária e um labor intelectual que nos impressionava. Nessa altura leccionava na Universidade do Porto, na Faculdade de Letras, impondo-se à apreciação de todos como professor de raro mérito, de saber e honestidade incontestáveis.
Quando saiu a público a sua nomeação de Bispo Auxiliar de Leiria recordo-me de lhe ter dito: Não te felicito. Ganhou-se um Bispo, mas perdeu-se um homem para a ciência e para a cultura.
Hoje, penso que me enganei, porquanto, mesmo depois de Bispo, o Senhor D. Domingos nunca se distanciou da cultura, sobretudo da história, da arte, da arqueologia e da epigrafia, ciências que para ele constituíam uma verdadeira paixão.
Já fortemente fustigado pelos ventos duma doença implacável, D. Domingos ainda conseguiu concatenar os seus apontamentos que pacientemente recolhera nos anos sessenta, percorrendo os arquivos do País e sobretudo da Diocese do Porto, onde nunca sentiu receio de sujar as suas mãos no pó dos mesmos. Os três volumes da Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade e na Diocese do Porto são três pedras dum monumento literário que ele já não pôde concluir. Muitas vezes me dizia: não posso perder mais tempo, sinto a vida a fugir.
Sobre Nicolau Nasoni, o grande arquitecto da cidade do Porto, ninguém como ele escreveu mais e melhor. Razão teve a edilidade portuense para muito merecidamente lhe outorgar a Medalha de Ouro da Cidade, e bem andou o Governo quando lhe concedeu as mais altas condecorações da área da Ciência e da Cultura. D. Domingos criou uma escola de arqueólogos na Faculdade de Letras do Porto. Nos colóquios de arqueologia que promoveu, ninguém discutia a sua abalizada opinião. Era um mestre que todos aceitavam. Os caminhos da arte, da história, da arqueologia e da epigrafia, percorreu-os como grande senhor que tratava por tu estas ciências e especialidades. Como museólogo, marcou lugar de relevo na criação dos museus, do Seminário do Porto, da Faculdade de Letras, do Museu Regional de Arouca e da Diocese de Leiria.
Como Sacerdote e Bispo a acção e a obra do Senhor D. Domingos não foi menos notável. Deu menos nas vistas, mas posso assegurar que D. Domingos foi um grande apóstolo, condutor de almas, que marcou fortemente aqueles que com ele contactaram mais de perto. Mesmo quando se evidenciou no mundo da cultura profana, D. Domingos estava a servir, e serviu de facto, a Igreja, que prestigiou como poucos. A grande homenagem que a Academia Portuguesa da História lhe prestou, pouco antes de falecer, é prova do que acabo de escrever. Trabalhador incansável, D. Domingos concebeu na sua juventude um projecto de vida ao qual se devotou totalmente. Viveu para o seu múnus sacerdotal e episcopal, viveu para a ciência, para a arte, para a cultura, a minha paixoneta, como várias vezes lhe ouvi dizer.
Homem de vontade indómita e férrea, D. Domingos até na doença e nas terríveis limitações que ela lhe trouxe foi uma lição e exemplo vivo de aceitação do sofrimento. Até no sofrimento e na morte foi grande!
A sua memória perdurará nas gerações que vierem, porque D. Domingos alguém que na vida terrena cresceu todos os dias um pouco, até ser muito grande. As palavras que deixo escritas são o testemunho sincero de um grande amigo, que se habituou a ver no Senhor D. Domingos uma vida paralela, sempre presente nos momentos de glória e de sofrimento. Era uma presença, uma palavra de incitamento e de ajuda que me habituei a ver como grande amigo e como grande mestre.