J.M. da Cruz Pontes
Luís de Magalhães, que foi o segundo secretário da Revista de Portugal, conhecera Eça de Queiroz através, certamente, de seu pai, o grande parlamentar aveirense José Estêvão Coelho de Magalhães. Em sua casa, na Costa Nova, a que chamavam o "palheiro", se encontravam no verão, pelo último decénio do século XIX, intelectuais e políticos.
Quando Manuel da Silva Gayo, desde o princípio secretário da Revista, mostra intenção de desligar-se de tais actividades e a decisão é considerada definitiva por Eça, em Janeiro de 1890, Luís de Magalhães oferece-se para se ocupar daquela tarefa.
Eça logo jubilosamente acolhe tão prestimosa disponibilidade. Em carta de Março de 1892 lembra-lhe a conveniência de fazer um convite a um novo colaborador: "o Carlos Bocage está escrevendo no Jornal do Comércio uns artigos de Política estrangeira que são legíveis. Parece-me que se devia convidar para trabalhar, sobre qualquer assunto (militar ou político) na Revista".
Pelas cartas inéditas de Luís de Magalhães que fazem parte do espólio oferecido por Martinho da Fonseca ao Arquivo da Universidade de Coimbra, de que pudemos dispor, ficamos a saber que, ainda antes daquela sugestão ter sido recebida, o novo secretário fizera por sua iniciativa uma outra diligência. Em 18 de Fevereiro daquele ano solicita colaboração, não a Carlos Roma Barbosa du Bocage, mas ao pai de este, que fora deputado e ministro dos estrangeiros, José Vicente Barbosa du Bocage. Nomeado lente da Escola Politécnica de Lisboa, ali organizou o Museu de Zoologia, classificando muitas espécies animais.
Na carta que lhe escreve, Luís de Magalhães sugere o tratamento de um de dois temas, ambos de interesse para a Revista. Um deles era "uma notícia sobre a vida e os trabalhos scientíficos de Anchieta, que a maioria do público conhece exclusivamente de uma vaga tradição". É uma personalidade "da qual em Portugal se começou a falar vagamente, quando o seu nome foi dado a uma rua de Lisboa".
Tivemos conhecimento desta e de outras cartas de Luís de Magalhães para aquele destinatário em 1998, quando em Coimbra se preparava um congresso para se comemorar os 450 anos da entrada de José Anchieta no Colégio das Artes, de onde em 1553, jesuíta ainda noviço, partiu para o Brasil. Logo precipitadamente identificamos o atrás referido Anchieta com este, fundador do Colégio de Piratiniga, que assim deu origem, juntamente com Manuel da Nóbrega, ao que viria a ser a cidade de S. Paulo. Alguma razão havia para se induzir esta identificação, conforme se verá.
Mas alguma espécie nos fez que, em tempos como aqueles, se dedicasse uma rua na toponímia de Lisboa ao evangelizador do Brasil. E, solicitando ao colega e amigo Prof. Fernando Castelo Branco informação a tal respeito, conduziu-nos aos dados fornecidos pelo olissipógrafo Luís Pastor de Macedo. Em sessão da Câmara de 3 de Setembro de 1885 foi resolvido que a rua da Figueira "passasse a denominar-se rua Anchieta, em homenagem a José Alberto de Oliveira Anchieta, que tantos serviços prestou em África".
Procurámos depois, no espólio de Luís de Mgalhães a resposta que recebera de José Vicente Barbosa du Bocage. Escreve nesta carta inédita, referindo-se a este Anchieta: "De há muito o trazia eu em mente, considerando-me a isso obrigado como a pagamento de uma dívida de gratidão, pois que deve aos trabalhos do nosso ousado e aventuroso explorador a modesta situação scientífica que logrei alcançar".
José Alberto de Oliveira Anchieta (Lisboa, 9.10.1832 - Caconda, Angola, 14.9.1897) foi naturalista e explorador de Angola, onde reuniu espécies valiosas de ornitologia e de herpetologia que remetia para estudo ao zoólogo José Vicente Barbosa du Bocage. A sua biografia e o valor do seu trabalho foram analizados por António Alberto Banha de Andrade, em monografia publicada em 1989.
Ficam esclarecidas a designação toponímica e os parágrafos das cartas inéditas que utilizámos.
Mas o jesuíta José de Anchieta, do século XVI, além de evangelizador é etnólogo e, mais que isso, observador do mundo que o rodeia, dando contributos para a história da ciência, inclusive sobre a fauna e a flora brasílicas.