Salvo no círculo restrito de amigos, entre nós não se soube. Mas é verdade. O compositor portuense, mestre de capela da Sé do Porto, Reitor da Igreja da Lapa, Director do Secretariado Diocesano da Liturgia (entre muitas outras funções e missões) acaba de obter um notável reconhecimento internacional na Alemanha - terra onde estudou e se aperfeiçoou musicalmente.
O história conta-se assim: Os países do centro europeu (Alemanha, Áustria e norte de Itália) organizaram um Festival Internacional de Música para Órgão, cuja primeira acção foi uma série de concertos em que aquele instrumento intervém sempre (com orquestra, coros, solistas de canto ou outros instrumentos - há belos concertos para trompete e órgão, por exemplo) em cidades que eram atravessadas pela chamada Via Claudia Augusta, que ligava no tempo dos romanos e nos que se lhes seguiram, as cidades de Veneza no Mar Adriático com Augsburgo ("cidade de Augusto") e Landsberg, na Baviera, Alemanha), passando por locais tão míticos como Ravena, Pádua ou Trento e atravessando o Tirol austríaco. Trata-se de uma série de 50 concertos, a decorrer entre 10 de Julho a 18 de Setem,bro, ao longo de mais de dois meses, nas diversas cidades.
O repertório é constituído por obras encomendadas a compositores (portanto primeiras audições) juntamente com obras de autores consagrados.
Pois a obra escolhida para a inauguração deste Festival foi um Concerto para órgão, grande orquestra, com "piccolo" e címbalos, da autoria do cónego António Ferreira dos Santos, com três andamentos: allegro (em forma de sonata), andante (em forma de lied ou canção) e allegro (em forma de passacaglia). A segunda parte do concerto foi preenchida com uma obra de Francis Poulenc (concerto para cordas, percussão e órgão), e entre as duas o organista apresentou um conjunto de improvisos sobre os temas das duas obras ("De Ferreira dos Santos a Poulenc"), estabelecendo assim uma espécie de ligação entre elas.
Foi organista Wayne Marshall, de renome internacional, e a Orquestra da Bayerischer Rundfunk (Rádio da Baviera), também internacionalmente celebrada, sob a direcção do Maestro Johannes Skudlik, reconhecido como mestre da interpretação da música para órgão, ele próprio organista de prestígio (existe um disco recente de Música romântica alemã para órgão, com obras de Brahms, List, Reger e outros, originais ou adaptadas para órgão, em que o organista é J. Skudlik). O acontecimento teve lugar na grande Igreja de Nossa Senhora da Assunção em Lansdsberg, cidade próxima de Augsburgo, a qual, confessa Ferreira dos Santos, estava repleta de público (mais de mil e quinhentas pessoas). A apresentação da obra coube ao maestro director, que elogiou a sua estrutura e novidade musical.
- A recepção da obra por parte do público foi entusiástica, e também por parte das autoridades locais, a qual incluiu um acto social na Câmara local, com a presença do Presidente e do Ministro da Cultura do Governo da Baviera e numerosos autores, músicos e conceituados organistas de todo o mundo como convidados.
Nos caminhos de Santiago?
Uma importante circunstância: a obra foi gravada para disco, ao vivo, e objecto de mais duas gravações. Trata-se de uma obra longa (mais de 35 minutos), cujo conhecimento será desejável. Mas as dificuldades da execução (sobretudo a de reunir uma orquestra completa) podem inviabilizar a sua realização e divulgação.
- Será que um dia poderemos ouvir esta obra entre nós? - perguntámos ao autor.
- Não o posso dizer - responde. Mas existe a proposta que fiz de o mesmo Festival se poder realizar para ocidente, percorrendo os caminhos de Santiago, e vindo até ao Porto. Nesse caso seria possível. A receptividade à proposta foi positiva.
- E mais obras ou projectos musicais em curso...
- Existe a Cantata a S. Sebastião, que vai ser executada neste domingo [dia 24] no Europarque, com grande coro e orquestra. Existe outra cantata dedicada a D. António Ferreira Gomes, que está já concluída e que será preparada para o centenário do seu nascimento. E tenho também uma obra composta que não sei se será executada na minha vida. Mas fica cá...
No centenário da Igreja da Lapa...
Uma informação mais recente dá conta de que o Maestro Johannes Skudlik acaba de confirmar que no próximo ano o mesmo concerto será apresentado no Porto, com o mesmo organista e a Orquestra da Rádio da Baviera, no ano de 2006, a propósito das comemorações dos 250 anos da colocação da primeira pedra da Igreja da Lapa (17.7.1756). As comemorações contarão também com uma intervenção da Orquestra e Coro da Gulbenkian.
Eis pois como é preciso sair de casa para se receber uma consagração internacional, quem os de casa não sabem prestigiar como devia ser: não se leram referências na imprensa, nem na rádio, menos na televisão. Não consta que a Casa da Música tenha encomendado ao compositor (como louvavelmente fez a outros) qualquer obra para órgão e orquestra, ou de outro cariz musical qualquer.
Mas as coisas vão aparecendo. Para ficar, pensamos nós.